Exposição retrospetiva da Binaural no Museu de Vouzela

Como grande parte do espaço rural português, as aldeias da região portuguesa de Viseu Dão Lafões vivem um profundo processo de transformação, por um lado, entre um passado que podemos definir de permanência, no qual a ocupação da paisagem e os laços sociais se desenvolveram através de um lento fluxo geracional, num contexto de agricultura e de criação de gado de subsistência e de uma rica cultura material e imaterial e, por outro, entre um presente de evanescência acelerada dos intrincados laços existentes entre os antigos habitantes e o território material e simbólico por eles ocupado.

Estas transformações formam uma malha complexa e sobreposta de realidades. Não existe um antes e um depois. As formas ancestrais de viver o rural ainda vão coexistindo com novos habitantes, com novos usos da paisagem, com novas atividades e novas prioridades, o que constitui um terreno fértil para o acompanhamento dessas mudanças e para a realização de um trabalho cultural que questione e problematize, através de processos de investigação e de expressão, as contradições, os paradoxos e as oportunidades destes tempos de acelerada mutação do mundo rural.

A exposição retrospetiva “Permanência e Evanescência” marca o 15º aniversário do programa de residência artísticas em contexto rural da Binaural Nodar, o qual foi iniciado pela consciência da importância do processo de transformação descrito atrás, pela vontade simultânea dos membros da Binaural Nodar em começarem um processo de enraizamento no território baseado numa vivência quotidiana com as comunidades locais de Municípios como os de Vouzela, Castro Daire, Viseu, São Pedro do Sul e Oliveira de Frades e, finalmente, pela perceção de que o acolhimento de artistas e investigadores oriundos do exterior permite a existência de olhares, escutas e expressões relevantes para um contexto específico e periférico como é o mundo rural de montanha.

Em Julho de 2006 começou oficialmente o Programa de Residências Artísticas da Binaural Nodar nas áreas da arte sonoras, intermedia e performance. A primeira residência artística aconteceu na aldeia de Nodar (São Pedro do Sul), na qual foi acolhido um coletivo de músicos, performers e artistas audiovisuais da cidade espanhola de León, o Coletivo Fora do Tempo.

Em Setembro de 2006 decorreu, em colaboração com a organização cultural MoKS da Estónia, o simpósio Pushing the Medium, um encontro internacional de cerca de uma vintena de artistas que apresentaram em Nodar trabalhos sonoros e visuais de inspiração localista e comunitária.

Nos anos seguintes, mais de 150 artistas foram acolhidos em aldeias dos municípios parceiros, proporcionando um envolvimento regular entre artistas, espaços geográficos e comunidades rurais. Um encontro entre formas diferentes de viver, conceber e traduzir o mundo, o qual nunca foi pensado de forma meramente instrumental, no sentido da simples recolha de documentação para o desenvolvimento da obra, outrossim algo de orgânico, que se vai construindo naturalmente ao longo do tempo e que se baseia numa vivência quotidiana e comunicativa. O artista que acolhemos é, por definição, aquele que assume o desafio ou risco de trabalhar com contextos novos, a necessidade de adaptação a circunstâncias desconhecidas no contacto social direto, adaptando, reconfigurando e problematizando linguagens, materiais e abordagens estéticas.

Desde 2010 que o Programa de Residências Artísticas da Binaural Nodar define uma temática agregadora para os projetos artísticos acolhidos em cada ano, tendo sido até ao momento trabalhadas temáticas como as paisagens fluviais, a voz antropológica, a arquitetura rural, a religião, o casamento, a morte, a mobilidade em contexto rural, a relação com o mundo animal, aspetos psicológicos do mundo rural, entre outros.

A Binaural Nodar agradece do fundo do coração aos artistas, investigadores, instituições e comunidades locais que participaram e colaboraram ao longo destes quinze anos com o Programa de Residências Artísticas, ajudando a iluminar parte deste nosso caminho feito de vontades, de imaginações, de dúvidas e, acima de tudo, de afetos e de cumplicidades.

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